O ocorrido despertou a curiosidade do historiador, mas foi a fala do espadachim que fisgou sua atenção. O arruaceiro dobrou uma esquina à esquerda e Gale foi atrás, gritando. O desconhecido continuou correndo, sem dar atenção, até que na terceira tentativa, ele se virou. — Você está falando comigo?! — Indagou com a sobrancelha erguida. Estavam no meio de um beco estreito e cheio de lixo, cerca de 1.5m de largura e mais de dez de comprimento. — Eu nem te conheço!

Em resposta, o pirata se apresentou, fazendo o espadachim erguer a sobrancelha ainda mais. — Você tá falando sério? — Ele dava um leve riso de deboche e se aproximava, abrindo os braços. — Você realmente se acha capaz de ser o novo Rei dos Piratas? — Ele se aproximava ainda mais. — E ainda quer ser meu capitão? É isso mesmo?

Ao terminar de falar, ele dava um forte empurrão no historiador. Gale era forte o suficiente para aguentar o tranco, dando apenas um passo para trás. Contudo, quando o espadachim também dava um passo atrás e levantava as mãos, Gale via uma pequena bolsa bem familiar nas mãos dele, uma que continha parte dos seus ganhos! — Que tal, Rei dos Piratas? Quer de volta? — Rindo, ele prendia a bolsa na cintura e levantava os punhos, pronto para o combate.

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— Rá! Cai dentro! — O espadachim parecia ser tão cabeça quente quanto o pugilista, aquele embate parecia quase destinado. Ambos levantavam os punhos e se aproximavam, prontos para demonstrarem sua superioridade.

O de cabelos lilás desferiu cinco rápidos jabs, mas Gale esquivou de todos, contra-atacando e atingindo o flanco esquerdo do oponente. Ele se curvou com o impacto e soltou um grunhido pelos dentes cerrados. Gale continuou com um cruzado, mas o espadachim se abaixou e apenas seus cabelos foram atingidos pelo vento. Por fim, trocaram golpes simultâneos, com o historiador sendo atingido na lateral esquerda e o mulherengo recebendo um direto no rosto.

— DERAHAHAHAHAHA! — Gargalhou, dando um passo atrás e parando para cuspir um pouco de sangue. — Até que você não é tão fraco assim! — Com um movimento hábil, puxou a lâmina presa nas costas. Uma espada de dois gumes, mas menor do que o habitual. Ele a segurou com ambas as mãos, embora parecesse ser leve o suficiente para que conseguisse segurar com apenas uma. — Não vai fugir agora, vai? — Desafiou.

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— Antes de ter minha resposta, você precisa me vencer! — Respondia, avançando com espada em punho e desferindo uma estocada. Gale conseguia agarrar a lâmina e tinha a sorte da sua manopla ser resistente a ponto de protegê-lo, mas não era o suficiente. Com um movimento hábil, o espadachim puxava a espada ao mesmo tempo em que a movia em diagonal, o metal deslizava pela manopla do historiador. Logo vinha mais uma ataque, este mirando no rosto de Gale, mas a manopla servia como escudo e o protegia.

Era então a hora do contra-ataque. Com uma finta e um disparo de ar, o espadachim fechava os olhos e dava um passo atrás. — Merda! — Ele cobria/esfregava os olhos com um dos braços e os abria, mas Gale já estava no meio do seu ataque. — TORMENT… — Ele estalava a língua e movia a espada, deixando-a na diagonal à frente do seu rosto e usando ambas as mãos para apoiá-la. — ARMSTRONG!

O golpe era forte o suficiente para jogar o espadachim longe e fazê-lo se chocar contra a parede alguns metros além. Ele caía sentado, ainda com a espada na mão, e, após um ou dois segundos para recuperar o ar, dava uma alta gargalhada. — DERAHAHAHAHAHA! — Se levantando, ele recolocava a espada em sua bainha e dava uns tapas na roupa, tirando a poeira. — Arm strong... Não posso discordar disso. — Ele ria. — Pode me chamar de Sam, Capitão. — Se aproximando e estendendo sua destra, ele esperava por um aperto. — Mas não ache que vou aguentar qualquer merda. Se você fraquejar, eu vou embora! — Avisava, embora ainda com um sorriso no rosto. — E eu quero uma revanche depois!

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— Vinte milhões?! — Sam olhava com os olhos arregalados e as sobrancelhas erguidas, estupefato, até cair em uma outra gargalhada, levando as mãos à barriga. — Só se for a Rainha! — Ainda rindo, ele pegava o pacotinho de berries que havia tomado de Gale e o devolvia. — Taí minha parte! — Brincava.

Os dois saíam do beco, indo na direção que Sam seguia antes, ou seja, saíam na rua por trás de onde haviam se visto pela primeira vez. O espadachim estava com os braços cruzados e uma das mãos no queixo, matutando. A rua estava bem movimentada, já que era algo em torno de meio-dia, mas ninguém parecia dar muita atenção para Gale ou seu novo companheiro. Com um estalo, Sam dava um leve tapa no braço do pirata. — Tive uma ideia. — Anunciou e já seguiu num ritmo apressado para o centro da cidade. — Vou te apresentar uma gatinha! DERAHAHAHAHAHA!

Cerca de vinte minutos de caminhada levou os dois até um grande hospital, bem movimentado por pacientes e médicos. O Hospital Público de Lvneel, nome visto em uma grande placa na entrada, era novo, limpo e bem cuidado, com equipamentos de ponta que davam ao lugar um ar quase futurístico. Já as pessoas eram sujas e pobres, o que parecia ser o padrão daquela ilha. Contudo, ali elas pareciam ser bem cuidadas pelos profissionais, uma atitude bem diferente da adotada pelos guardas da noite anterior.

Sam entrou com Gale a tira colo e fez um gesto para que o capitão se mantivesse próximo. Passou pela recepção como se fosse dono do lugar, andou por corredores dobrando a esquerda e a direita no que parecia ser um caminho completamente aleatório, e por fim entrou apressado em uma sala, puxando Gale pelo braço para que o seguisse, e fechando a porta logo em seguida.

A sala em que estavam parecia mais uma biblioteca de tantos livros que havia nas paredes laterais. Na parede a frente, havia uma grande janela aberta, trazendo uma brisa suave que agitava as cortinas e iluminando todo o ambiente com a clara luz do sol. No meio, um grande tapete redondo de cor rubra e dois sofá divã brancos, um de cada lado. Mais além, uma escrivaninha de madeira escura e uma bela mulher sentada atrás dela. Seus cabelos dourados pareciam ser realçados com a luz do sol, enquanto seus cachos oscilavam com a brisa. Seus olhos azuis focados em algum grosso tomo aberto na sua frente, sua expressão serena.

O barulho da porta atraiu a atenção da moça e, após um segundo de susto, reconheceu o espadachim e revirou os olhos. — Minha princesa! Sentiu minha falta? — Fechando o tomo com um baque e se levantando, disse: — Nem um pouco. Xô, xô! — Movia a mão como se tentasse espantar um gato, mas não funcionou. Sam se sentou no canto da escrivaninha, com as pernas cruzadas e o rosto virado para a loira. — Ah, assim fico triste! Logo hoje que vim com um amigo lhe oferecer ajuda. — A última frase, principalmente a última palavra, pareceu mudar o humor da mulher, que olhou intrigada na direção de Gale. — Aliás, quem é você?

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O primeiro ímpeto do historiador foi dar uma olhada nos livros, buscando saber seus títulos e temas. Como esperado de uma médica num hospital, quase todos os livros eram da área médica, mas Gale percebeu que a maioria era voltado para a área psicológica e psiquiátrica. Ao se referir a uma possível mink, Sam levou a mão ao rosto, num famoso facepalm, e a mulher ergueu uma sobrancelha, confusa e alternando o olhar entre os dois homens.

Ao se referir à sua profissão e, principalmente, ao One Piece, a sobrancelha dela se ergueu ainda mais, tanto que sua expressão chegava a ser cômica. — Sente-se aqui, por favor. — Ela pedia, indicando um dos sofá divã. Com uma prancheta em mãos, ela se aproximava e se sentava no sofá à frente. — Vejamos, uma ambição além do comum… seria algo impulsivo ou apenas ingenuidade? Seria narcisismo contar algo tão fabuloso logo de cara ou talvez apenas um toque de extravagância? Como você se define em… — Ela começava a diagnosticá-lo, fazendo algumas anotações, mas era interrompida por Sam.

— Gisella, minha querida, não foi para isso que viemos. — Ela parecia um pouco confusa, mais uma vez alternando o olhar entre os dois. — Ele pode ter um parafuso a menos, mas é forte. Assim como eu! — Se Sam se referia ao parafuso a menos ou a força, Gale não sabia. — Oh, sim, sim. Entendi. — Ela se levantava e se aproximava do pirata, estendendo sua mão. — Sou a doutora Gisella Scallion, diretora do Hospital Público de Lvneel. Prazer. — Enquanto ela se apresentava, Sam comentou lá da mesa: — E a mulher mais bela da ilha! — Ela apenas o ignorou.

— Estamos precisando de uma boa grana e pensei que talvez pudéssemos contar com sua ajuda. — Gale sentia que tinha algo não dito, mas não sabia dizer bem o que. A certeza que tinha era que aquela não era a primeira transação entre Sam e Gisella. Ela voltava à sua escrivaninha e tirava um pequeno mapa desenhado à mão, entregando-o ao espadachim. Ele olhava por um momento e repassava para o capitão. Gale ainda não conhecia a ilha bem o suficiente, mas seus conhecimentos em Geografia o faziam deduzir que havia um bairro marcado. Não era uma região tão pequena assim, mas ainda reduzia bastante a área de busca.

— Recentemente, eu tenho recebido muitos civis atormentados com visões e alucinações. Pelas informações que eu consegui reunir, tem um grupo de contrabandistas nessa região vendendo O Lamento da Inocência. A primeira dose é praticamente de graça, às seguintes custam um preço exorbitante. — Ela explicava e, após alguns segundos, completava: — Eu quero estas doses!

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— Isso. Então você não é daqui, imagino. É uma flor que existe apenas nesta ilha e que causa alucinações. Às vezes boas, às vezes ruins. Essas flores eram bem comuns, mas estão se tornando cada vez mais raras. — E cada vez mais caras. — Sam completava.

— Eu não posso prometer um valor sem saber o que terei em troca. — Ela se levantava e ia até a janela, se apoiando na borda e ficando de costas para os dois. — Que tal… — Ela ponderava por um minuto e se voltava para eles. — Cem mil por dose?

O sugerido por ela se tornava quase uma aposta: De zero, caso voltassem de mãos vazias, até milhões, caso encontrassem doses o suficiente. Gale olhava para Sam, que parecia conhecer melhor a médica, e ele dava de ombros. — O valor é justo. Agora dependemos da nossa sorte. — Aceitando o acordo, o pirata dava um leve soco no espadachim e este devolvia a carícia da mesma forma.

— Boa sorte e… — Ela hesitava por um momento. — Sejam discretos, se possível. — Sam abria um largo sorriso, fazendo um coração com as mãos para a doutora. — Qualquer coisa por você, minha paixão! — Ela revirava os olhos novamente enquanto os dois homens passavam pela porta. Gale dizia suas últimas palavras para ela, explicando em parte seu comportamento, e a via fazendo mais algumas anotações na prancheta antes da porta se fechar completamente.

Saindo do hospital, Sam tomava a frente mais uma vez. — Vamos, eu sei o caminho! — Os dois começavam a caminhar rumo à oeste. — Chegando lá fazemos o quê? Tentamos comprar o bagulho? Ou tem uma ideia melhor?

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Não demorava muito para chegarem ao bairro em questão. A principal diferença daquele bairro para os demais era a sujeira que havia espalhada pelas ruas enlameadas, as paredes sujas e algumas pessoas largadas na sarjeta. Se a cidade como um todo já parecia o subúrbio de uma grande ilha, ali era o subúrbio do subúrbio. — Olho aberto. — Sam alertava.

Os dois seguiam pelas ruas, sem um rumo específico. Ora Sam guiava, parando em uma esquina para fingir conversar com Gale por um momento, ora Gale guiava até que Sam o parasse para conversarem um pouco. — Se ficarmos andando sem parar, podemos atrair suspeitas. — Sussurrou.

Sem sorte, entraram em um bar e Sam pediu por duas cervejas. O líquido era escuro e amargo, mas não era de todo ruim. Do balcão, observaram os arredores, tentando ser discretos, até que Gale sentiu de leve o joelho de Sam em sua perna. O espadachim gesticulou com a boca, fazendo um beiço com seu lábio para o canto mais afastado de onde estavam.

Um homem na casa dos trinta estava sentado só e contando uma boa quantia em dinheiro, colocando-a em uma pequena bolsa. Vez ou outra ele mexia a cabeça de forma estranha, como se tivesse algum tic nervoso. Pelo horário, o bar ainda não estava cheio, mas os berries pareciam atrair os olhares da maioria presente. Terminando a contagem, o homem se levantava e partia. Sam emborcou o resto da sua cerveja, pagou o taverneiro e saiu com Gale a tiracolo.

Os dois seguiram o homem de longe, até um beco estreito e escuro. — Parece que é aqui, vamos esperar! — Uns três minutos depois, o homem voltou com um pequeno frasco transparente, com algum líquido esbranquiçado dentro. Ela sorria como um lunático e sequer notava Gale e Sam a menos de um metro de distância.

Era então que os dois entravam no beco, seguindo até um homem que estava sentado na metade do caminho. Ao se aproximarem, viram que na verdade se tratava de um jovem que usava roupas bem folgadas, o suficiente para caber dois dele ali dentro. Na destra tinha um cigarro, na esquerda tinha um revólver. — É comigo mermo. Se já conhece, é 500 pila! — Sam não dizia nada, mas Gale o via arregalando os olhos.

O historiador dizia querer mais e o… distribuidor ficava na dúvida, coçando o queixo com o cano do revólver. — Sabe como é né? Se vamos comprar no atacado, queremos um desconto válido. — O jovem pensava mais um pouco, bufava e se levantava. — Ok, ok, sigam-me!

Os três caminharam por cerca de vinte minutos até chegarem em um prédio abandonado, no qual o jovem entrava e gesticulava para os dois fazerem o mesmo. Sam mexia na bainha, deixando a sua espada um pouco mais acessível, mas não chegava a sacá-la. O prédio estava tão deteriorado que sequer havia porta. Logo a frente subiram a larga escada, que rangia a cada passo, e, chegando ao segundo andar, viram uma dezena de bandidos, todos armados, que não demoraram a puxar suas armas. — Opa. Greg ta aí? — Nisso um homem saia de um dos quartos laterais, com o lado esquerdo do rosto queimado e careca. — Quem são esses merdas?!

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