Gale usava não apenas o corpo, mas também as palavras para convencer o garoto do que dizia, esticando sua mão no final. O traficante hesitava, olhando para os dois piratas e até mesmo para trás por um breve momento. Sam não parecia muito afim de ter o traficante como companheiro, mas aceitava a decisão do capitão e recolocava sua espada na bainha, esperando com a cesta pendurada na dobra do braço esquerdo, enquanto que com o direito acenava para uma bela donzela que passava a uns dez metros do trio.

— O-ok! — Dizia por fim, aceitando a mão de Gale e apoiando-se nela para se levantar. — Eu posso levar vocês até ele novamente, mas não vou arriscar minha vida por sua causa. — Ele metia o dedo no peito do historiador, mas depois parecia se arrepender da atitude, recuando. — Parem! Eu ordenei que parem! — Gritou um dos guardas, no limite do bosque, obviamente cansado, enquanto o outro passava pelo seu lado. — Merda, corre! — Gritava o garoto, partindo na frente e deixando que os dois o seguissem.

Caso Gale o seguisse, correriam até o início da cidade, abrindo uma boa vantagem sobre os guardas reais. Dali, Yago, o garoto traficante, guiou eles para o mesmo distrito do dia anterior, mas para uma construção diferente, a uns seis quarteirões da que haviam incendiado. — Ali! — Ele apontou, já se virando para partir.

— É um bar abandonado. Na cozinha tem uma porta para uma despensa e, lá dentro, um alçapão para o porão. — Ele dava uns dois passos, mas parava. Após um momento de silêncio e um longo suspiro, dizia: — Não subestimem o Greg. — E, com isso, partia andando na direção contrária.

— E aí, vamos confiar nele? — Sam perguntou. — E o que eu faço com isso? — Disse, gesticulando com a cesta ainda no braço.

Gale D. Kay:

Os dois piratas seguiam bar adentro. O local estava completamente deserto, dando ainda mais a sensação de uma armadilha. Mesmo assim, seguiram destemidos até a cozinha. Com as indicações do jovem traficante, não foi difícil achar o alçapão na despensa e logo estavam os dois acocorados, com Gale segurando a grande argola de metal. Os dois olhavam um para o outro e riam. — Eu já lhe disse que você parece um touro bravio? — Sam indagou, rindo, ao entregar a cesta para o capitão. Ele também aproveitou o momento para puxar sua espada, preparando-se para o que quer que viesse daquele buraco.

A porta rangiu quando Gale a puxou para cima, revelando um buraco profundo, onde mal se podia ver o fundo. Havia uma escada de madeira presa à parede, a qual Gale e Sam usaram para descer. Seguiram por um estreito corredor, vendo uma luz distante, até que chegaram a uma grande sala iluminada. Nela, mais a frente, estava Greg sentado em uma cadeira simples de madeira, encarando o corredor e os dois piratas que vinham dele. — Por algum motivo eu imaginei que você voltaria. — Ele fumava um cigarro e o brilho dele parecia dar vida a sua cicatriz, deixando-a ainda mais disforme. — E que seria aquele imbecil que os traria até aqui novamente. — Disse, observando a cesta aos seus pés.

Havia umas duas dúzias de capangas por ali, formando uma espécie de barreira por trás do patrão. Era quase um déjà vu do dia anterior, sendo que havia mais larápios e as paredes eram de concreto ao invés de madeira. Gale também viu com o canto dos olhos alguns baldes d'água no canto da parede. No entanto, o que mais chamou a atenção, foi um grandalhão que veio lá de trás. — Desta vez eu preparei uma surpresinha para vocês.


— Eu cuido dos pequenos? — Indagou Sam, mais atrás, enquanto o grandalhão movia a cabeça de um lado para o outro, estalando o pescoço.

Gale D. Kay:

O historiador não estava para brincadeira e partia para o ataque. — Ok. — Sam concordava de forma concisa. No entanto, o grandalhão permanecia entre Gale e sua presa. — Acha que o deixarei passar?! — O grandalhão desferia um soco no rosto do historiador, mas Sam surgia rapidamente e se punha entre eles, bloqueando o golpe com a lateral da sua larga espada. — Opa, opa! Você está na fila de espera, garanhão, fica de boa aí!


Enquanto Sam trocava golpes com o musculoso e o atraía mais para o lado, Gale continuava avançando. Os capangas se jogavam na frente de Greg, que continuava tranquilo. — Você realmente acha qu— SHAKLETON INFAME! — Gritava o pirata, lançando uma saraivada de socos implacáveis à sua frente. A cada golpe, Gale sentia o impacto percorrendo todo o seu braço, indicando o sucesso do seu avanço enquanto seus inimigos se curvavam diante de seus punhos.

O "escudo humano" feito pelos capangas logo se desfez e Greg foi o próximo, sendo atingido sem piedade e sem chance de defesa. Os traficantes caíam como frutas maduras e logo só havia o grandalhão em pé. Sam gargalhou com o resultado e o musculoso, ao se ver só contra aqueles dois, se virou para correr. O espadachim cortou sua panturrilha, fazendo-o cair de joelhos, e chutou sua cabeça contra a parede, apagando-o. — Yee haw! — Comemorou de forma bem inusitada, embainhando sua espada e rindo mais um pouco. — Ô porra, tu pisou nas rosas! — Disse, correndo e pegando a cesta pisoteada pelo historiador durante seu ataque.

Gale D. Kay:

Os dois piratas comemoravam a vitória por um momento, mas logo voltavam a atenção para o que era importante. Sam dava umas batidinhas na cesta, tirando um pouco da sujeira das rosas não mais tão brancas e seguia explorando o local em busca de berries ou o que mais pudesse surrupiar. Gale levava Greg para o bar abandonado, subindo as escadas com a roupa do traficante presa nos seus dentes.

O historiador gritava, chamando pelo tal de Yago, mas o garoto não retornava. Sozinho, dava uns tapas no rosto do Greg, até que ele acordava. — Ahr… — Gemia, ainda meio grogue. Com toda a sua cara de pau, o historiador tentava extorquir o traficante, que então despertava de vez. Cuspindo um xingamento, Greg tentou dar um soco no rosto do pirata, mas Gale já estava preparado para isso e segurou o golpe, prendendo o traficante contra a parede.


Embora tentasse escapar, suas tentativas eram ineficazes e logo desistia. Ainda assim, resistia como podia, tentando manter seu orgulho. — Eu nunca irei lhe dizer onde escondo todo o meu dinheiro e você nunca irá encontrar! — Cuspia, raivoso, forçando seus braços embora fosse impossível vencer a força do seu captor. — Oooooooi. — Gritou Sam, subindo pelas escadas. — Achei uma grana boa. — Greg não pareceu feliz com isso.

Gale D. Kay:

Com os gritos de fúria de Greg ecoando pelo bar abandonado, Sam e Gale partiam com largos sorrisos nos rostos. — Hoje a noite vai ser boa! — Comentava, com um sorriso indecente no rosto. Gale já focava no navio, listando os membros necessários e atraindo a atenção do espadachim. — Eu consigo velejar, sem problema. Mas o resto não. — Após um momento ele complementava: — E uma médica. Hehehe…

Quando chegaram nas docas, Gale pôde observar os mesmos quatro navios de antes, embora todos estivessem num estado mais avançado de produção. Havia um quinto, com apenas a quilha e mais alguns suportes montados. A última doca permanecia vazia. O armazém WoodWork parecia lotado, com dezenas de pessoas entrando e saindo de lá, transitando entre a construção e os navios mais a frente. Já no armazém do senhor Geppetto, havia apenas ele. O senhor estava sentado numa cadeira de balanço no lado de fora da entrada, balançando-se lentamente enquanto fumava um cachimbo após o almoço. A brisa do mar fazendo sua longa barba ondular levemente.

— Geppetto-san! — Sam saudava ao se aproximar, abrindo os braços. — A quanto tempo não lhe vejo! — O velho encarava o espadachim por um momento, com cara de poucos amigos, mas sua expressão se iluminava ao reconhecê-lo. — SASASA! Sam Hador! Não sei como ainda está vivo! — O velho se levantava e o espadachim se ajoelhava, abraçando-o. Era a primeira vez que Gale via Sam tratar um homem tão bem.

Após se afastarem, o carpinteiro olhava por sobre o ombro de Sam para Gale que estava mais atrás. — Vejo que encontrou um bom navegador. — Apesar da voz animada e do sorriso no rosto, parecia de alguma forma triste, embora o historiador não soubesse exatamente o por quê. — Vamos, entrem, entrem! Imagino que tenhamos negócios a tratar!

Geppetto apagava o seu cachimbo e guardava-o, mostrando sua loja para Gale e tirando todas as suas dúvidas, além de mostrar as madeiras disponíveis, os modelos de navios que poderia produzir, os pontos fortes e fracos de cada um, além de acessórios e preços.

Gale D. Kay:

O pirata optava por uma escuna¹ e decidia mais alguns detalhes mais por impulso do que por qualidade ou necessidade, deixando tudo nas mãos dos outros dois e tentando escapar após pagar o valor do navio. Sam corria e o alcançava antes do historiador atravessar as grandes portas de madeira. — Ei, espera! — Pedia o espadachim, levando a destra ao pescoço e parecendo levemente embaraçado. — Então, eu acabei lhe dando todo o dinheiro que achamos e fiquei sem e tal. — Após uma breve conversa, Gale repassava quinhentos mil berries para o seu comparsa.² — Hehehe, valeu! — Agradecia, retornando para combinar com Geppetto os detalhes restantes.

Gale andava pelo porto, sentindo-se muito mais leve do que antes. Ele parou e se sentou em um largo banco de madeira que havia ali próximo, ficando de frente para o mar e sentindo a brisa em seu rosto, enquanto que o sol às suas costas fazia suor escorrer pelo seu pescoço. Por alguns minutos, deu uma relida rápida no livro, mas nada pareceu saltar aos seus olhos, nenhuma dica além dos enigmas já conhecidos. Sendo assim, se levantou e seguiu rumo a fonte de conhecimento que havia na ilha: A biblioteca.

A senhora na recepção pegou o livro e o leu com interesse, mas por fim deu de ombros. — Sinto muito, mas não conheço nada sobre esse tesouro. Parece mais uma lenda sem sentido, para ser sincera. — Ela fechava o livro com delicadeza e o devolvia ao historiador. — A resposta do primeiro enigma parece ser rio, mas se você quer ver um mapa da ilha, então imagino que já tenha resolvido essa. — Ela dava um sorrisinho e saía de trás do balcão, levando Gale até um grande mapa que havia no canto direito da biblioteca.

Como a ilha era composta de uma grande área de campos, haviam pouquíssimos riachos. Além destes e de três lagos, apenas dois rios eram notáveis: O primeiro era aquele que Gale havia visto anteriormente. Sua foz era um pouco a noroeste do castelo, passando por dentro deste e seguindo para o sul até o mar. Ele parecia ser um pouco mais largo após atravessar o castelo. O segundo rio tinha a foz dentro de uma floresta fechada mais ao nordeste da ilha e seguia para o norte até o mar. Pelo mapa, a floresta parecia ser umas cinco vezes o tamanho do bosque que Gale e Sam haviam encontrado o traficante mais cedo.

A senhorinha deixava que Gale observasse e estudasse o mapa por um tempo, dando mais uma sugestão depois de alguns minutos. — Eu não entendi o segundo enigma deste livro, mas posso garantir que este rio… — Dizia percorrendo com o dedo a extensão do rio da floresta. — É o mais natural possível. Então se você quer um rio sintético... — Ela deixava em aberto.

¹ Mendonça esqueceu de especificar no post, mas falou em off que era uma escuna.
² Isso também foi combinado em off

Gale D. Kay:

— Esgotos? Não há esg— Ela mesmo se interrompia, deixando a cabeça pender na diagonal por um momento. Mesmo ela não demonstrando muito interesse pelo tesouro, Gale sabia que a maioria daqueles que gostavam de ler adoravam um enigma ou passatempo, e aquele pareceu atrair a atenção da mulher. Os piratas viajavam pelos mares, desbravando as ilhas e lutando com seus punhos, mas para aquela senhorinha na faixa dos sessenta anos, aquilo ali já era quase como uma grande aventura.

Sendo assim, ela partiu animada, com um sorrisinho vitorioso no rosto, embora nada fosse dito ao historiador. Numa fração de segundo Gale a perdeu entre todas aquelas estantes e livros, ficando a sós com o grande mapa da ilha por um tempo. Contudo, com o passar de uns dez minutinhos, ela reapareceu trazendo consigo um tomo grande e velho, gesticulando para que o historiador fosse até ela.

O tomo atingiu a mesa com um baque surdo, levantando uma pequena nuvem de poeira. — Já fazem anos que ninguém lê esse livro. — A senhorinha disse, meio envergonhada, como se desculpando pelo estado daquele exemplar. Mas deixando isso de lado, o abria e mostrava-o à Gale.

Aquele livro era na verdade um misto de diário e registro de uma antiga reforma realizada no castelo real a muitos e muitos anos. Antes mesmo do príncipe Charles XIV. O engenheiro chefe da época havia registrado tudo, literalmente tudo ali. Era possível saber até mesmo quantos pregos haviam sido usados em toda a obra: 48.752 unidades.

Passando algumas páginas, a senhorinha chegava na parte interessante: Um sistema de esgoto havia sido construído abaixo do castelo, usando a água do rio para abastecer alguns cômodos e despejando os dejetos de volta ao próprio rio. Não era uma das melhores opções, mas levando em consideração a reputação dos antigos monarcas, poderia ser muito pior. Isso explicava o rio ser um pouco mais largo após passar pelo castelo e também da água não ser tão cristalina quando Gale lavou o rosto mais cedo.

Os documentos também indicavam que a água passava por duas grades de metal, uma na entrada ao norte e outra sendo a saída mais ao sul, ambas visíveis na base da muralha. A outra opção para acessar os esgotos era um alçapão que ficava dentro do castelo, no canto do que parecia ser um jardim.

Já sobre os símbolos estranhos, a senhorinha ponderava por um momento antes de responder: — Eu posso lhe trazer um livro sobre criptografia, talvez ajude. — Deixando que o historiador a respondesse antes de partir em busca do tal livro.

Gale D. Kay: